Vi um membro de um fórum se perguntando se mangás teriam valor literário. Por extensão, podemos estender esse questionamento a todo tipo de quadrinhos: graphic novels, manhwas, etc.
Segundo esse membro, mangás deveriam ter valor literário, já que uma das formas de expressão dessa mídia é por meio da escrita. No entanto, ele se perguntou porque a maioria das obras eram tão rasas e cheias de ecchi/hentai (conteúdos sexualmente sugestivos ou explícitos).
Pensei um pouco sobre isso e defenderei a tese de que sim, mangás/quadrinhos têm valor literário, ainda que tenham uma natureza bastante diferente dos livros.
Vamos aos argumentos:
1. Quadrinhos são uma mídia nova
Quadrinhos são uma mídia muito nova, tendo se consolidado há menos de 100 anos. Já os livros possuem milhares de ano e passaram por todo um processo de maturação e discussão filosófica para que chegassem ao que é hoje.
É natural que, conforme uma mídia envelheça, ela vá amadurecendo por conta do próprio amadurecimento dos principais autores e do público, por causa da consolidação das técnicas usadas, entre outros fatores. Por isso, precisamos dar tempo ao tempo.
2. Comparamos o melhor dos livros com mangás medianos
Livros, como eu disse, já possuem milhares de anos, e antigamente era difícil mantê-los: era preciso reescrevê-los a mão, bem diferente de hoje, em que basta usar o comando de copiar e colar. Por causa disso, apenas os melhores livros das épocas passadas eram copiados. Era questão de priorizar o mais importante.
Além disso, antigamente, era caríssimo escrever. O preço de papel, tinta e outros materiais era muito inacessível, além do analfabetismo ser a regra. Por isso, para escrever algo, era preciso ter certa condição social e disposição para isto.
Por isso, não é tudo daquela época que permanecia documentado: só sobraram os melhores livros de cada época. Mesmo quando pensamos em épocas mais recentes, como os séculos 19 e 20, lembramos dos melhores livros de cada época, e não das centenas de obras de qualidade duvidosa que caíram no esquecimento.
Mas enquanto olhamos com esse viés positivo para os livros, olhamos com um viés simplista para os quadrinhos: os mangás cheios de conotação sexual e romances que não dão em lugar nenhum, os quadrinhos de heróis que seguem uma mesma fórmula e não têm profundidade, etc.
Por isso, acabamos comparando bananas com laranjas, e não bananas com bananas. O melhor seria comparar os livros e quadrinhos dos últimos 30 anos, agora que ambas as mídias são mais fáceis de produzir: veremos que a maioria dos trabalhos é de fantasia ou romance, com insinuações sexuais e pouca profundidade. Nisso, eles são bem pouco diferentes.
3. Quadrinhos misturam valor literário e estético
Nos quadrinhos, não é só a leitura que importa: os desenhos do autor também são parte fundamental. Existem quadrinhos em que há muito texto sem muita coisa acontecendo (como alguns momentos de Hunter x Hunter e One Piece) e outros em que o desenho já diz tudo o que você precisa saber (como Yokohama Kaidashi Kikou e Blood on the Tracks). Às vezes, nunca mesma obra, vemos esses dois momentos de maneira alternada.
Dependendo do autor, da obra e de muitos fatores, o valor estético ou literário tem mais importância, como numa balança:
Fiz esse desenho ridículo no Paint pra ajudar a ilustrar.
Por isso, temos que considerar que os quadrinhos têm uma mistura de pintura com literatura e, por isso, diferem-se dos livros. Por isso, temos que julgá-los de maneira apropriada, como uma coisa própria.
O veredito
Particularmente, acho que nenhuma outra forma de arte supera a literatura. Acho que ela é arte mais livre, como já falei em outro artigo, e nela é possível ver a introspecção dos personagens como nenhuma outra mídia consegue fazer.
No entanto, isso não quer dizer que quadrinhos não são uma forma genuína de arte. Se formos um pouco além das obras mais famosas, veremos quadrinhos riquíssimos que podem marcar nossas vidas.
Autores que você deve conhecer
Dito isso, quero recomendar pra você alguns autores que valem a pena conhecer:
Shuzo Oshimi: Meu mangaka favorito, ele tem um traço bem característico e histórias que msituram drama, romance e suspense. A maioria de suas histórias trata do amadurecimendo da adolescência à vida adulta. Recomendo Aku no Hana, Blood on the Tracks e Drifting Net Cafe, minhas obras favoritas dele.
Naoki Urasawa: Seu traço é bastante ociental, então ele é ótimo para esse tipo de audiência. Suas obras têm um tom de suspense e investigação, usando alguns elementos de sci-fi. Recomendo Pluto, 20th Century Boys e Monster.
Kentaro Miura: É um dos melhores desenhistas de todos. Apesar da história de seu principal mangá, Berserk, não ir pra muito lugar depois dos seus 2 principais arcos, ainda vale a pena ler. Berserk sumariza todos aqueles estereótipos iluministas contra a Idade Média, mas mesmo assim sugiro que você confira.
Yoshihiro Togashi: Se você quer algo mais de ação/aventura, mas que vai adquirindo complexidade, recomendo sua obra mais famosa, Hunter x Hunter. Eles consegue escrever “jogos mentais” como ninguém.
Junji Ito: Ele tem ganho bastante notoriedade no ocidente nos últimos anos. Sua especialidade é o terror, e ele faz isso melhor do que ninguém. Recomendo Uzumaki e Tomie.
Outros autores de destaque são Inio Asano, Osamu Tezuka, Takehiko Inoue… são muitos! Infelizmente, ainda conheço pouco dos quadrinhos ocidentais, mas gostei bastante de tudo que li de Neil Gaiman e do Alan Moore.
Pretendo ler algumas recomendações da minha namorada e trazer mais recomendações ocidentais no futuro.