(imagem de Lars Mai)
Idade da pedra, idade do bronze e idade do ferro. Provavelmente você já ouviu falar nesses nomes, seja nas aulas de história ou jogando Age of Empires.
Esse é um conceito arqueológico muito famoso que foi criando no século 19 por Christian Jürgensen Thomsen e permanece como referência até hoje.
Segundo esse conceito, a humanidade passou por diversas fases que podem ser representadas de acordo com as ferramentas que os homens utilizavam. Abaixo estão as três idades conceituadas na teoria original:
1. Idade da Pedra: entre 2,5 milhões de anos atrás até cerca de 3000 a.C. Os homens usavam ferramentas simples de pedra para realizar tarefas básicas. Abrange desde o home das cavernas, passando pelos caçadores-coletores e finalizando no estabelecimento de comunidades agrícolas. Nessa primeira fase, o homem usava minerais brutos.
2. Idade do Bronze: entre 3000 a.C até 1200 a.C. Aqui o homem já aprendeu a metalurgia e consegue manipular o bronze, uma liga de cobre e estanho que permite materiais mais duráveis e com melhores propriedades. Com isso, a civilização vai se desenvolvendo e o comércio cresce. Na segunda fase, o home usa uma liga metálica.
3. Idade do Ferro: entre 1200 a.C até a era comum. O ferro exige mais temperatura para ser moldável, mas gera materiais mais resistentes. Foi a manipulação do ferro que permitiu o desenvolvimento de certas técnicas agrícolas e militares, dando origem aos grandes impérios. Agora, temos como base um metal puro.
Entretanto, me parece que ainda existem outras três eras que ainda não foram explicitadas por outros pensadores, mas que valeria a pena descrever abaixo:
4. A Idade do Ouro
Essa era compreenderia a Grécia clássica até antes da revolução industrial. Nessa época, prata e ouro tornaram-se populares como meio de troca e possibilitaram o desenvolvimento do comércio como antes não fora possível.
A prata, por ser menos escassa do que o ouro, circulava mais rapidamente, enquanto o ouro era usado como um padrão mais perene, como reserva de valor. Os metais coexistiam e talvez fosse mais justo chamar essa época de “Idade de Ouro e Prata”, mas o ouro prevalece como sendo o metal mais valioso, merecendo o destaque na nomenclatura.
Nas outras eras, os materiais foram antes utilizados para fins reliosos e estéticos (como rituais e adereços) para depois, com o desenvolvimento de suas técnicas de manipulação, tornarem-se úteis para construir ferramentas.
Mas na idade do ouro, é diferente. Em primeiro lugar, o ferro e o bronze tinham mais propriedades mecânicas melhores do que a prata e o ouro. E em segundo, estes dois metais preciosos eram escassos. Portanto, não era viável fazer diversas armaduras e ferramentas com eles, de forma que seu uso era muito mais voltado para a confecção de joias e itens ritualísticos, além de ser usado como moeda de troca e reserva de valor.
Como resultado, nunca houve uma confecção em larga escala de prata ouro para fins industriais (pelo menos não quando comparado com ferro ou cobre), muito embora ambos os metais sejam sim utilizados para funções específicas dentro da indústria.
Nessa fase, usamos também metais puros, mas aqui a pureza é fundamental: a diluição desses metais para cunhar mais moedas aumenta o dinheiro em circulação e faz os preços subirem, gerando a inflação.
O fim da era do ouro é bem marcante: nos anos 30, o governo americano proibiu a posse de ouro pela população do país temporariamente e dobrou o valor do ouro em poucos anos, diluindo o poder de compra da população.
E no fatídico ano de 1971, o presidente Nixon desatrelou o dólar do padrão-ouro, gerando o que conhecemos hoje como moedas fiduciárias: moedas lastreadas na confiança que as pessoas têm no governo que as emite.
5. A Idade do Carbono
Já a quinta idade pode ser chamada de Idade do Carbono. Ela começa com a primeira revolução industrial, quando o carvão (composto majoritariamente de carbono) passou a ser utilizado em grande escala na indústria. Isso se seguiu com a segunda revolução industrial, que passou a utilizar derivados de petróleo (outro material composto em sua maioria pelo mesmo elemento).
Hoje, muita coisa foi substituida pelo carbono: diversos itens são feitos de plásticos e borrachas, mais duráveis e extremamente mais baratos. E a maioria dos produtos químicos usados na indústria são os chamamos de “compostos orgânicos”, substâncias que têm a maioria de sua composição de carbono e hidrogênio.
O carbono é até mesmo usado para melhorar as propriedades dos metais de outrora. Veja, por exemplo, o aço: uma liga de ferro e carbono amplamente usada em todo o mundo. Ligas de com grafite também são comuns.
As aplicações se desenvolvem a cada ano: fibras de carbono, grafeno, nanotubos de carbono, compósitos e outros são cada vez mais utilizados, gerando materiais leves, robustos e economicamente viáveis.
Aqui, temos um novo salto qualitativo: ao invés de lidarmos com metais, estamos lidando com um ametal, o elemento fundamental da química orgânica, considerado o elemento da vida.
No conceito inicial de química orgânica, essa ciência recebeu este nome por ser a química da vida, enquanto a química inorgânica lidava com processos inanimados.
Com o tempo, o conceito se modernizou e a química orgânica passou a ser conhecida também como química do carbono, uma vez que a maioria dos compostos nesta área possuem a maior parte de sua estrutura feita deste elemento.
Manipulação progressiva da natureza
Antes de prosseguir para a conclusão, vale uma nota adicional: cada progresso nas Idades da humanidade pressupõe uma maior manipulação das forças da natureza. Mircea Eliade diz em Ferreiros e Alquimistas que a metalurgia e a alquimia são uma continuação do trabalho dos deuses, pois permite trabalhar em cima das criações divinas. Abaixo está a citação completa:
“As substâncias minerais participavam da sacralidade da Terra-mMãe. Não demoramos a encontrar a ideia de que os minerais ‘crescem’ no ventre da Terra como se fossem embriões. A metalurgia adquire assim um caráter obstétrico.
O mineiro e o metalúrgico intervêm no desenvolvimento da embriologia subterrânea: aceleram o ritmo de crescimento dos minerais, colaboram na obra da Natureza, ajudam-na a ‘ter um parto mais rápido’. Em suma, através das técnicas que utiliza, o homem pouco a pouco substitui o Tempo, e o seu Trabalho realiza a tarefa que cabia a este.
Colaborar com a Natureza, ajudá-la a produzir num tempo cada vez mais rápido as modalidades da matéria – cremos ter descoberto aí uma das fontes da ideologia alquímica.”
Um exemplo simbólico está presente no anime Cavaleiros do Zodíaco: nele, os cavaleiros de bronze são os mais fracos, enquanto os cavaleiros de prata são os intermediários e os de ouro, os mais poderosos. No entanto, os cavaleiros de bronze, através com o contato íntimo com a deusa Athena por meio do cosmo, tornam-se parte integral do Ser e conseguem superar em poder os cavaleiros de ouro.
E, curiosamente, temos também os cavaleiros de aço (uma liga de ferro-carbono), que ao invés de usar o cosmo para lutar pela deusa Athena, usam armaduras tecnológicas para auxiliar os cavaleiros de bronze, indicando aqui uma perda da sacralidade do mundo por conta do desenvolvimento tecnológico permitido pela ciência.
No entanto, essa perda da sacralidade tem um preço: apesar das armaduras tecnológicas, os cavaleiros de aço pouco são úteis nas lutas contra os inimigos de Athena, sendo capazes, no máximo, de prestar auxílio em algumas lutas dos cavaleiros de bronze principais – assim como o homem arreligioso, afastando-se do divino, sente-se sem base no mundo contemporâneo.
6. A Idade da Energia: a próxima era?
E qual o futuro? Qual próxima era nos espera?Acredito que a sexta era da humanidade será uma era digital – e ela está se desenvolvendo na nossa frente. O desenvolvimento da internet e de softwares aumentaram exponencialmente a produtividade de praticamente todos os setores econômicos.
Com os recentes progressos em IA, vemos esse crescimento exponencial se acelerando: equipes de 50 pessoas foram reduzidas a 5 graças ao poder da automação. Trabalhei com blogs por muitos anos e hoje é possível escrever 100 artigos em poucos segundos – algo que levava meses anteriormente.
Outro aspecto deste desenvolvimento é o Bitcoin, moeda digital que, por sua escassez e segurança, possibilita a criação de um sistema monetário internacional de natureza digital.
Mas é claro, essas tecnologias, apesar de serem digitais, não são imateriais: para existirem, elas precisam de poder computacional, e esse poder computacional é gerado por energia. Por isso, a próxima idade na qual viveremos é a Idade da Energia.
Cada pesquisa no ChatGPT gasta uma quantidade enorme de energia. Para minerar Bitcoin, emprega-se uma quantidade cada vez maior de energia. Mas ao contrário do que pode parecer, isso é positivo, pois estimula a busca por energia barata no mundo, como as usinas termoelétricas em locais inóspitos, que já mineram Bitcoin.
Ao invés de nos guiarmos pelo uso de minerais e elementos da tabela periódica, nos guiaremos pela geração de energia, seja de forma mecânica, elétrica ou nuclear. Aqui temos um salto qualitativo gigantesco: passamos da química pra física.
Automação, IA, Bitcoin e outras tecnologias mudarão o nosso futuro e farão com que a energia seja cada vez mais fundamental em nossas vidas. Os países que enxergarem isso vão dominar o cenário global nas próximas décadas ou séculos.
Leituras e materiais complementares:
O Trabalho e os Dias, Hesíodo (em especial, o mito das cinco raças)
Padrão Bitcoin, Saifedean Ammous
Large Scale Industrial Applications of Carbon Materials, Swati Sharma (Palestra)
Ferreiros e Alquimistas, Mircea Eliade
Cavaleiros do Zodíaco, Masami Kurumada (especialmente dos episódios 01 ao 73)