(Imagem obtida aqui)
O catolicismo é a religião da morte. É uma religião mórbida, com pensamentos constantes no fim da vida neste mundo. Basta ver pelo simbolismo máximo da fé católica: Jesus chagado e pregado na cruz, com ferimentos nas mãos, nos pés e em sua lateral. Derivando desta imagem máxima, surge a Via Sacra (onde contemplamos Jesus Carregando sua cruz), os Mistérios Dolorosos do Rosário (com orações e reflexões de sua morte), a devoção às cinco chagas de Cristo, à sua Sagrada Face, entre outras. A coroa de espinhos do Messias é a única que o católico deseja[1].
Segundo o papa Bento XVI, o catolicismo e a igreja ortodoxa se diferenciaram grandemente em função de uma diferença de ênfase na visão a respeito de Cristo: enquanto nas igrejas orientais se valorizava a figura do Cristo ressuscitado, na igreja romana valorizava-se a figura do Cristo crucificado[2]. Essa pequena diferença, ao longo dos séculos, gerou uma grande distinção em suas teologias.
E o simbolismo católico da morte não para em Jesus, uma vez que diversos santos católicos passaram por experiências similares: São Policarpo, que foi queimado; São Bartolomeu, que teve a pele esfolada; São Sebastião, com sua imagem seminu com flechas no corpo; Santa Luzia, segurando uma bandeja com seus olhos; São Denis, carregando sua própria cabeça; as santas que entraram para a vida religiosa, sempre com um olhar profundo e melancólico; as inúmeras imagens da Mãe de Deus, como a famosa Pietá, em que ela segura seu filho morto; e as fotos dos santos mais recentes, como São Padre Pio e Santa Tereza de Calcutá, em que vemos o espírito de mortificação em seus olhos [3].
É uma religião que venera homens e mulheres que foram mortos crucificados, tomando pedradas, sendo comidos pelos leões, queimados, decapitados e todo outro tipo de morte horrorosa que se pode pensar. É a igreja dos mártires. É a religião que mastiga Deus. Para o católico, morrer pela fé é a maior prova de que uma pessoa viveu de verdade.
Para quem é católico, viver é se preparar para a morte. Não se trata apenas de uma preparação filosófica, teórica, em que você reflete teologicamente sobre céu e inferno: é uma preparação física também, onde o cristão deve mortificar seu próprio corpo com jejuns e abstinências, com o desapego a bens materiais, com a abdicação de certos prazeres em vista de um be superior e, por fim, pela autoflagelação através de instrumentos como o cilício [4].
Nesse sentido, a igreja católica se distingue de maneira bem acentuada dos protestantes que, ao darem ênfase no poder da Graça de Deus, passaram a abdicar quase que totalmente das mortificações corporais – afinal, se Cristo já fez tudo por nós, não nos resta mais nada a não ser aceitar a salvação [5]. Com exceção, podemos citar o jejum, uma vez que esta prática é amplamente registrada tanto no Antigo quanto no Novo Testamento.
É como se o católico vivesse a vida toda com o seguinte pensamento: “Essa vida é apenas um preparo, um ponto ínfimo de toda a minha existência”. E de fato o é: considerando que um humano viva cerca de 80 anos, isso não é nada perto da vida eterna que, como o próprio nome diz, durará para sempre. E no entanto, é nesta vida limitada que o católico deve purificar-se para estar apto a estar com Deus face a face. “Uma é a vida e depois o julgamento”, dizia São Paulo. Por isso, faz sentido abdicar de prazeres temporários em benefício de algo que durará para sempre e será incomensuravelmente melhor do que a experiência terrena. Como dizia S. Tereza, “A vida é apenas uma noite que se passa em péssima hospedaria” [6].
Como resultado, o católico passa a entender que é preciso viver o momento presente e fazer o que pode com o que se tem. “Faz o que deves e está no que fazes”, diz S. Josemaria [7]. Com a vivência da religião, o católico deixa de se apegar aos erros do passado e escolhas ruins – até porque, foram elas que possibilitaram que ele chegasse a vivenciar a vida cristã naquele momento – e deixa de se preocupar com aquele futuro que ele não pode prever, colocando as coisas nas mãos de Deus. Para o católico, os únicos tempos importantes são o “agora e na hora de nossa morte”.
Não é à toa que gerações mais jovens estão deixando de ver o catolicismo como aquela religião dos avós, com orações difíceis e ritos desnecessários, e estão abraçando o lado mórbido e sombrio dela, fazendo surgir uma fé renovada.
Leitura complementares:
[1] Um ótimo texto que complementa o tema deste artigo pode ser lido na obra Falar com Deus, Francisco Fernández-Carvajal, na meditação da sexta-feira da 32ª semana do tempo comum.
[2] Bento XVI, Introdução ao Espírito da Liturgia (capítulo 5)
[3] Os volumes VI e VII da coleção Falar com Deus, de Francisco Fernández-Carvajal, possuem reflexões excelentes sobre vários dos santos mais famosos da Igreja.
[4] Diversos trechos do Evangelho indicam a necessidade de motificação, como Mc 9, Mt 6, Lc 9 e Jo 12.
[5] Essa discussão é aprofundada no livro Igreja Católica: Construtora da Civilização, de Thomas Woods Jr.
[6] Frase atribuída a Santa Teresa de Ávila.
[7] Ponto 815 do livro Caminho, de São Josemaria Escrivá.