(Imagem de Caio Resende)
Como o Bitcoin está de acordo com os princípios de doutrina social da Igreja Católica
A Doutrina Social da Igreja consiste em uma série de diretrizes católicas para a boa condução das relações sociais. Ela foi inaugurada pelo papa Leão XIII (ainda que pensadores anteriores já tivessem abordado o assunto) por conta das mudanças que ocorriam durante a primeira Revolução Industrial.
Com sua encíclica mais famosa, Rerum Novarum, o papa comenta as mudanças sociais da época e dá orientações de como lideres, cidadão e governantes devem seguir num mundo em plena mudança como o da época.
A partir de então, a Doutrina Social da Igreja foi evoluindo com cada novo papa, de São Pio X até Francisco, sempre destacando a valorização do ser humano como um dos princípios básicos.
A intenção deste artigo é a de mostrar como o Bitcoin é compatível com a Doutrina Social da Igreja, e como ela pode permitir o desenvolvimento de uma sociedade mais justa por meio de seus princípios de escassez, autocustódia e segurança.
1. Desigualdade: acumulação de capital nas mãos de poucos
O documento começa mostrando alguns problemas associados às mudanças na economia de mercado – ao mesmo tempo em que demonstra que o socialismo não é o remédio apropriado para o problema.
Logo no começo do documento, o papa Leão XIII, quando fala dos conflitos sociais existentes, cita o problema da usura e da ganância, mostrando como isso aumenta a desigualdade:
“[…] A tudo isto deve acrescentar-se o monopólio do trabalho e dos papéis de crédito, que se tornaram o quinhão dum pequeno número de ricos e de opulentos, que impõem assim um jugo quase servil à imensa multidão dos proletários.”
Essa citação traz um problema bastante relevante à tona: a desigualdade
Ainda hoje a concentração de dinheiro e poder, além das condições abusivas de juros, prejudicam os mais pobres. No entanto, é aqui que podemos ver como o Bitcoin pode desagravar esses problemas.
Em primeiro lugar, muito da concentração de capital é proveniente da habilidade do governo de imprimir dinheiro de maneira descontrolada: afinal, o governo pode simplesmente aumentar alguns “zeros” em sua conta bancária e imprimir moeda digitalmente (algo muito mais fácil do que imprimir cédulas).
Isso causa um desbalanceio na economia, pois, na outra ponta da economia, o trabalhador está juntando seu dinheiro e aplicando-o em um ativo financeiro (digamos, uma renda fixa) sem perceber que seu patrimônio está diluindo pouco a pouco (ainda que, nominalmente, ele pareça estar crescendo).
O resultado da impressão descontrolada de dinheiro é a inflação. Vale ressaltar que o aumento dos preços é apenas o efeito da inflação, pois o que a causa, de fato, é a impressão de dinheiro e consequente aumento da base monetária (o que faz o total de dinheiro na economia aumentar).
Por exemplo: se você acumula dinheiro e, depois de certo tempo, possui 1% do total de dinheiro existente, o governo pode simplesmente emitir 10 vezes mais moedas, diluindo o seu capital para apenas 0,1% do total de um dia para o outro (é claro que a emissão de moeda não se dá de maneira tão rápida: essa diluição ocorre aos poucos).
Outro fator que contribui pra isso é o sistema de reserva fracionada dos bancos: hoje em dia, um banco pode emprestar mais dinheiro do que tem. Se ele tem emprestado, digamos 1 bilhão de dólares, ele só precisa ter uma porcentagem do valor total em caixa.
Com isso, a quantidade de dinheiro circulante aumenta ainda mais. O que acontece é que, quando um banco passa por problemas, todos os correntistas tentam sacar dinheiro ao mesmo tempo e o banco não tem dinheiro pra pagar a todos. O resultado é o calote.
E tudo isso contribui para a concentração de dinheiro na mão de poucos: os bancos podem emprestar dinheiro que não têm a juros baixíssimos pras grandes corporações, que podem simplesmente rolar a dívida pra frente e tomar outro empréstimo.
Na contabilidade atual, inclusive, existe o conceito de “dívida saudável” das empresas – ou seja, vale mais a pena pras grandes corporações continuar com a dívida do que pagá-la, algo inviável para pessoas comuns, que precisam arcar com juros cada vez mais injustos.
21 milhões de unidades máximas
Mas o que acontece quando a moeda não pode ser multiplicada ao bel-prazer de um governo ou banco? E se a moeda utilizada for completamente transparente, de maneira que ninguém possa imprimir mais quantidade do que a pré-determinada na sua criação?
É exatamente esse problema que o Bitcoin resolve: nunca haverá mais de 21 milhões de unidade. O que garante isso? A programação totalmente transparente do Bitcoin, revisada por milhares de programadores ao longo dos anos.
Não é tão simples mudar essa regra: para que isso ocorra, todos os “backups” da rede (conhecidos como nodes de Bitcoin) devem concordar com a mudança. Para rodar um desses nodes, basta ter cerca de 2TB em um HD e um computador (que nem precisa ser dos mais modernos), baixar o software no Bitcoin.org e em poucos dias você terá toda a rede Bitcoin no seu HD.
Ou seja: pessoas comuns, com um pouco de dinheiro e alguns dias de download, podem rodar uma cópia da blockchain do Bitcoin. São pessoas normais que adotaram a rede justamente porque querem ter um dinheiro que não possa ser diluído. Por que essas pessoas optariam por aceitar uma mudança na rede que, digamos, duplique a quantidade existente de BTC?
Afinal, se você roda um node de Bitcoin, é porque quer apoiar a rede e aumentar sua segurança. Por que, então, você toparia mudá-la contra seus interesses?
Se não houver consenso na rede e ocorrer um racha, tem-se um hard fork: o Bitcoin se divide, algo que já ocorreu em 2017, gerando o Bitcoin Cash. Mas a comunidade que priorizava os princípios do Bitcoin permaneceu firme e hoje o Bitcoin Cash é uma sombra do passado.
Mesmo que uma empresa bilionária faça vários outros nodes e apoie uma mudança que aumente a quantidade de BTC existente, os usuários comuns que rodam seus nodes em casa podem não aceitar essa mudança e continuar rodando o código antigo.
E o melhor de tudo é que não é preciso fazer nada: se você tem 0.1 bitcoin e ocorre um hard fork, você continuará tendo 0.1 BTC e 0.1 da outra moeda que foi criada (vamos chamá-la aqui de BTCB).
Assim, você não precisa sequer tocar naquele dinheiro: se você não sabe quem vai ganhar a disputa, tenha os dois. Se você continua confiante no protocolo original, venda o BTCB e compre tudo em BTC. Só não faça a burrice de vender seu BTC e trocar por um protocolo duvidoso.
Como o Bitcoin promove a igualdade
A capacidade de imprimir dinheiro e a reserva fracionária aumentam o dinheiro em circulação e beneficiam as pessoas mais imediatamente próximas da emissão do dinheiro – afinal, se elas recebem o dinheiro antes, podem gastá-lo antes que eles entrem na economia.
Como o Bitcoin não terá mais unidades além dos 21 estipulados, é possível que uma pessoa possa acumular patrimônio sem ser diluída – ou seja, garantindo que ela não precise se preocupar em seu dinheiro valer menos com o tempo.
É o que nos leva ao próximo tópico.
2. Acumulação de patrimônio e propriedade privada
Adiante, o papa Leão XIII demonstra que não há problemas na acumulação de capital por parte dos indivíduos e a propriedade privada – pelo contrário, trata-se de algo benéfico:
“De facto, como é fácil compreender, a razão intrínseca do trabalho empreendido por quem exerce uma arte lucrativa, o fim imediato visado pelo trabalhador, é conquistar um bem que possuirá como próprio e como pertencendo-lhe; porque, se põe à disposição de outrem as suas forças e a sua indústria, não é, evidentemente, por outro motivo senão para conseguir com que possa prover à sua sustentação e às necessidades da vida, e espera do seu trabalho, não só o direito ao salário, mas ainda um direito estrito e rigoroso para usar dele como entender.
Portanto, se, reduzindo as suas despesas, chegou a fazer algumas economias, e se, para assegurar a sua conservação, as emprega, por exemplo, num campo, torna-se evidente que esse campo não é outra coisa senão o salário transformado: o terreno assim adquirido será propriedade do artista com o mesmo título que a remuneração do seu trabalho. Mas, quem não vê que é precisamente nisso que consiste o direito da propriedade mobiliária e imobiliária?”
Um grande problema nos dias de hoje é a real propriedade do que você compra. Quando paramos pra avaliar, vemos que muitas coisas que compramos não pertencem realmente a nós.
Por exemplo: quando você compra uma casa ou um carro, tem que pagar impostos sobre propriedade. Quando você recebe seu salário, você paga imposto de renda. Os DVDs e CDs de música que você comprava viraram serviços por assinatura. O seu dinheiro no banco pode ser confiscado se você for contra alguma determinação do governo. Diante disso, fica difícil pensar que realmente possuímos essas coisas.
Com ativos financeiros, fica ainda pior: pra ter ações ou títulos de renda fixa, é preciso custodiá-los em um banco ou instituição financeira. Ouro e outras commodities podem ser possuídos, é verdade, mas o ouro está sujeito a falsificações e é um material com volume, além de não ser tão simples de comprar e vendê-lo – e, quando você for fazer isso, terá que incorrer em taxas de serviço para as empresas que trabalham com isso.
O Bitcoin é o único ativo que permite a posse verdadeira: com 12 palavras, que podem ser memorizadas na sua cabeça ou anotadas em algum papel ou meio fora da internet, você tem uma carteira de Bitcoin que não pode ser roubada por ninguém. Crie uma carteira de maneira offline e mande seus Bitcoins para lá: ninguém poderá confiscar.
Não há poder computacional existente que seja capaz de quebrar uma senha na rede Bitcoin. E ainda que surja algo com essa capacidade computacional (como os tais dos computadores quânticos, tão falados por aí), o Bitcoin continuará sendo mais seguro do que o sistema bancário tradicional – que seria, portanto, um primeiro alvo muito mais atraente.
Responsabilidade na custódia
Claro que possuir seus Bitcoins, sem deixá-los em uma corretora, exige responsabilidade: se você perder a senha, seu dinheiro está perdido pra sempre. Há chances de ser roubado. Mas, para o bem ou para o bem, tudo isso depende da sua capacidade em conseguir guardar com eficiência as suas posses: você deve ser responsável pelo que é seu, ao contrário do pensamento atual de que tudo deve ser custodiado ou intermediado por um banco ou profissional especializado.
Hoje em dia, existem tecnologias como o Multisig, que permitem uma maior segurança. Outras formas de guardar sua chave privada é usando placas de metal. Há várias formas de aumentar as chances de manter tudo em ordem com o seu Bitcoin que permitem que você fique mais tranquilo enquanto mantém o que é seu apenas pra quem você quiser.
3. Sociedade doméstica sobre a sociedade civil
O documento também expressa a visão de que a base da sociedade é a família, e que a sociedade doméstica precede o estado. Por isso, o governo deve atuar apenas em casos gravíssimos:
“Da mesma forma, se existe um lar doméstico que seja teatro de graves violações dos direitos mútuos, que o poder público intervenha para restituir a cada um os seus direitos. Não é isto usurpar as atribuições dos cidadãos, mas fortalecer os seus direitos, protegê-los e defendê-los como convém. Todavia, a acção daqueles que presidem ao governo público não deve ir mais além; a natureza proíbe-lhes ultrapassar esses limites. A autoridade paterna não pode ser abolida, nem absorvida pelo Estado, porque ela tem uma origem comum com a vida humana.”
Este é um problema que o Bitcoin não resolve, mas ao menos, ajuda a mitigar. Isso é importantíssimo em tempos nos quais o Estado cresce e começa a atuar de maneira autoritária, usando a mídia tradicional como braço direito em sua atuação.
Por exemplo: quando uma pessoa se manifesta contra um político ou uma legislação, uma das formas que o governo usa para persegui-lo é por meio do confisco dos bens e do congelamento das contas bancárias. Dessa forma, a pessoa não tem dinheiro para viver e sustentar a sua família, tendo que ceder as pressões estatais e desistindo de contrariar a autoridade.
Com a sua chave de Bitcoin memorizada na cabeça ou uma hard wallet física enterrada ou escondida em um local inacessível, fica muito difícil confiscar os seus Bitcoin, o que dá autonomia para que você não fique totalmente à mercê do Estado.
Claro, isso leva ao problema: como vender os Bitcoins para moeda corrente sem ter problemas com um Estado que está te perseguindo? Felizmente existem corretoras P2P que podem atuar nesse sentido. Elas cobram um pouco mais de taxas, mas são muito mais seguras.
(O Papa Leão XIII fala mais detalhadamente sobre o assunto de liberdade civil em seu outro documento chamado Libertas que, apesar de ser menos conhecido, não é de menor qualidade).
4. Concórdia entre classes
O papa mostra como a luta de classes não é a resposta aos problemas econômicos – pelo contrário, ricos e pobres, contratantes e trabalhadores, devem respeitar-se e atuar visando o bem comum:
“O erro capital na questão presente é crer que as duas classes são inimigas natas uma da outra, como se a natureza tivesse armado os ricos e os pobres para se combaterem mutuamente num duelo obstinado.”
Ele prossegue, abordando as obrigações dos operários:
“Entre estes deveres, eis os que dizem respeito ao pobre e ao operário: deve fornecer integral e fielmente todo o trabalho a que se comprometeu por contrato livre e conforme à equidade; não deve lesar o seu patrão, nem nos seus bens, nem na sua pessoa; as suas reivindicações devem ser isentas de violências e nunca revestirem a forma de sedições […]”
E, continuando a respeito das obrigações dos patrões, diz:
“Quanto aos ricos e aos patrões, não devem tratar o operário como escravo, mas respeitar nele a dignidade do homem, realçada ainda pela do Cristão.”
Pode parecer impossível tal tipo de harmonia: já estive no lado do contratante e do contratado e consigo ver problemas de ambos os lados.
Hoje em dia, os empregados pagam cada vez menos, cobram cada vez mais e não parecem se importar com as demandas pessoais de seus funcionários. Ao mesmo tempo, é cada vez mais difícil achar pessoas com uma boa ética profissional e que não queira fazer o mínimo possível para não ser demitido.
No entanto, com um dinheiro que mantém o seu valor com o tempo, as relações de trabalho mudam e naturalmente forma-se um ambiente de trabalho mais digno.
A vida profissional antes e depois
Pense o seguinte: na geração de nossos pais ou avós, era muito comum trabalhar numa mesma empresa por décadas e se aposentar com tranquilidade. Era normal mesmo um trabalhador comum comprar a sua casa e ter seu carro, mantendo sua família. Não era necessário ter que pensar na próxima promoção ou em dar a sorte grande em algum investimento: bastava trabalhar bem, gastar com sabedoria e juntar um pouco de seu capital.
No entanto, na geração atual, precisamos pegar dois ou três trabalhos (ou um principal e alguns freelas), ficar pensando diversas horas em como investir da melhor maneira, pensar em formas de fazer o dinheiro render, etc. A perda acentuada do valor do dinheiro (como explicado no tópico 1) causa essa dificuldade.
Com um sistema como esse, pra que se esforçar no trabalho? Vale mais a pena fazer tudo de maneira arrastada, cumprindo o mínimo apenas pra não ser demitido. Essa é a origem de fenômenos como o quiet quitting.
Na outra ponta, o pequeno empreendedor, aquele que tem uma pequena companhia com meia dúzia de funcionários, se vê de mãos atadas: pra continuar com suas operações, ele precisa de lucros cada vez maiores, já que o dinheiro perde valor a cada ano.
Como resultado, ele paga salários defasados e, pra se manter no mercado, precisa diminuir a qualidade dos produtos e serviços que oferece (ou repassar os preços para o consumidor, correndo o risco de diminuir sua base de clientes).
E os donos do grande capital beneficiam-se disso pois não há concorrência, podendo ao mesmo tempo maximizar seus lucros aos custos de salários reduzidos para seus funcionários na base. Empresas de grande porte costumam ter caixa guardado pra queimar e, se precisarem de dinheiro, basta pegar um empréstimo com taxas reduzidas. Fica claro como isso prejudica o dia a dia de praticamente toda empresa no mundo.
O Bitcoin e a mentalidade no mundo do trabalho
O Bitcoin cria incentivos que fazem com as pessoas não queiram mudá-lo, mantendo apenas as 21 milhões de unidades programadas inicialmente (cerca de 18 milhões, se considerarmos o Bitcoin que foi perdido pra sempre nos seus primeiros anos). Um Bitcoin valerá sempre um Bitcoin.
Com isso, valerá a pena trabalhar direito, pois você acumula algo que preserva valor ao invés de perder. O dono da empresa é estimulado a guardar caixa ao invés de fazer investimentos desordenados. O funcionário sabe que está trabalhando e construindo patrimônio ao invés de ver seu poder de compra real só diminuir com o tempo.
Um funcionário normal, ao invés de precisar fazer dois freelas por mês e estudar extensamente sobre investimentos, poderá, ao invés disso, acumular Bitcoin para o longo prazo com a certeza de que ele manterá seu valor com o tempo frente à moeda fiduciária, como o dólar, euro ou real, e que terá dinheiro para comprar sua casa, se casar e ter filhos se fizer o devido planejamento.
Um trabalhador que não precisa se preocupar tanto com o dinheiro pode trabalhar menos horas e, nessas horas, dedicar-se com qualidade ao trabalho na sua frente. A quantidade de horas trabalhadas será trocada por qualidade.
Com o tempo, se construirá uma mentalidade de longo prazo por parte das duas pontas, sem que empresas precisam abaixar a qualidade de seus produtos e serviços, e sem que funcionários precisem caçar dois empregos simultâneos.
5. Caridade
Quando falamos de acúmulo de capital, o papa Leão XIII lembra-nos que ele serve não só para a própria pessoa, mas também deve ser utilizado em favor dos mais necessitados:
“Ninguém certamente é obrigado a aliviar o próximo privando-se do seu necessário ou do de sua família; nem mesmo a nada suprimir do que as conveniências ou decência Impõem à sua pessoa: ‘Ninguém com efeito deve viver contrariamente às conveniências’ (Suma Teológica, II-II). Mas, desde que haja suficientemente satisfeito à necessidade e ao decoro, é um dever lançar o supérfluo no seio dos pobres: ‘Do supérfluo dai esmolas’ (Lc 11, 41)”
Quando os caminhoneiros no Canadá se recusaram a parar de trabalhar em função do distanciamento social, tiveram suas contas congeladas (um exemplo do que eu falei no tópico 3 deste artigo). A solução foi a ajuda voluntária de pessoas por meio do Bitcoin, que pôde ser usado para manter pessoas que se atreveram a ir contra o governo.
Quando houve o conflito entre Ucrânia e Rússia, pessoas do mundo todo se uniram e doaram dinheiro à Ucrânia por meio do Bitcoin, garantindo comida, saúde e higiene básica para milhares de pessoas.
Com Bitcoin, você tem dinheiro utilizável em qualquer parte do mundo em 10 minutos, sem burocracia e sem intermediação de governos. Se você apoia uma causa, pode doar pra ela rapidamente e garantir que seu dinheiro chegará sem precisar de intermediadores de confiança duvidosa e sem pagar impostos (apenas as taxas da rede).
6. Limites na atuação do estado
A Doutrina Social da Igreja admite um papel ao estado, dentro de seus próprios limites:
“O que se pede aos governantes é um curso de ordem geral, que consiste em toda a economia das leis e das instituições; queremos dizer que devem fazer de modo que da mesma organização e do governo da sociedade brote espontaneamente e sem esforço a prosperidade, tanto pública como particular.”
Em um mundo com grande adoção do Bitcoin, as pessoas teriam verdadeiro controle do seu patrimônio. E com o maior domínio do próprio patrimônio, torna-se uma mera questão de escolha a de contribuir com impostos e outros tipos de atividade.
Isso significa que o estado vai ter que merecer o dinheiro do cidadão, pois não conseguirá ficar com ele de maneira coercitiva.
Por conseguinte, ele terá que se afastar de áreas em que não consegue atuar apropriadamente e e deverá focar em atividades essenciais, como saúde, educação e segurança básica – e , possivelmente, algumas regulamentações nas atividades industriais, em parcerias com entes privados.
Isso diminui consideravelmente a mão do governo nas atividades privadas das pessoas e, por consequência, aumenta a liberdade dos indivíduos.
7. Educação financeira
O documento também toca brevemente no assunto de educação financeira, especialmente para as camadas mais baixas da população:
“Importa, pois, que as leis favoreçam o espírito de propriedade, o reanimem e desenvolvam, tanto quanto possível, entre as massas populares.”
Se o seu dinheiro vale cada vez menos (e numa taxa cada vez mais acelerada), perde-se o incentivo de poupá-lo para o longo prazo. Com isso, multiplicam-se os golpes financeiros, os “esquemas de dinheiro rápido”, os “investimentos milagrosos”, os “jogos de aposta”.
Com um dinheiro de verdade e que é escasso, sua tendência é a de valorização a longo prazo, algo mostrado claramente pela valorização expressiva do Bitcoin de maneira constante. Compare-o com todas as outras criptomoedas e fica claro o vencedor no longo prazo.
Se o dinheiro valoriza, vale a pena guardá-lo. Por isso, as pessoas têm mais incentivo a serem responsáveis pela acumulação de patrimônio, o que gerará um quadro financeiro mais estável para as pessoas.
E valendo a pena guardar o dinheiro, desenvolve-se mais interesse em como fazer isso – o que ajuda a facilitar o ensino de assuntos como finanças pessoais, investimentos, empreendedorismo e outros tópicos.
8. União e Associações
O último tópico do documento é a respeito das associações entre pessoas, como cooperativas, sindicatos e outros. Associações que surgem de livre e espontânea vontade entre as pessoas:
“Se, pois, como é certo, os cidadãos são livres de se associarem, devem sê-lo igualmente de se dotarem com os estatutos e regulamentos que lhes pareçam mais apropriados ao fim que visam.”
Com um maior controle sobre o seu dinheiro e uma menor atuação forçada do governo na vida das pessoas, a tendência é que a formação dessas associações se dê de maneira totalmente orgânica entre grupos de pessoas.
As pessoas cuidarão elas mesmas de suas previdências, poderão se organizar em cooperativas e, como é o caso em alguns lugares, não serão reféns dos sindicatos (que, de fato, podem exercer um trabalho muito positivo para os trabalhadores quando atual em prol destes).
9. Mudança gradual na sociedade
Por fim, eu gostaria de terminar o texto dizendo que esse processo todo não é rápido. Até que tudo que eu coloquei aqui se concretize, décadas se passarão – e mesmo assim, a sociedade continuará tendo problemas, pois o mundo em que vivemos nunca estará isento de falhas.
O papa Leão XIII, em um outro documento (menor e menos famoso) chamado In Plurimis, fala sobre como a Igreja acabou com a escravidão antiga aos poucos por meio de seus valores e atitudes, e não através de uma revolução:
“Tanto mais se alguém observa atentamente com quanta doçura e prudência a Igreja extirpou e derrotou a torpe peste da escravidão. Com efeito, ela não quis se apressar no providenciar o resgate e a liberdade dos escravos, pois, com certeza isso não podia acontecer a não ser de maneira tumultuosa, com dano para eles e em detrimento da sociedade; mas como sumo juízo fez com que os ânimos dos escravos, sob sua direção, fossem educados à verdade cristã e com o batismo adotassem costumes compatíveis.”
“[…] Entre os padres gregos sobressai Crisóstomo, que muitas vezes tratou desta questão e que com grande alegria e com palavras afirmou que a escravidão, segundo o antigo sentido do termo, no seu tempo já fora eliminada, com grande vantagem para a fé cristã, tanto que o nome parecia e era sem conteúdo entre os discípulos do Senhor.”
Essa mudança gradual em busca de uma melhoria na sociedade está totalmente alinhado com o ethos do Bitcoin, que promove uma mudança gradual na forma de ver o dinheiro e a economia, sem mudanças bruscas.
Verificando a perda de valor do dólar e outras moedas fiduciárias, as empresas verão que vale a pena deixar seu caixa em Bitcoin para evitar a perda de valor do dinheiro com o tempo.
Tendo mais caixa, elas não precisarão desesperadamente de lucro imediato e conseguirão pensar em estratégias mais voltadas pro longo prazo e que construam uma imagem melhor de seus produtos e serviços.
Isso tende a melhorar a qualidade e perenidade dos produtos e serviços, que começarão a servir melhor a população.
Na outra ponta, os trabalhadores poderão poupar em Bitcoin e conseguirão manter seu padrão de vida.
Poderão comprar uma casa com mais facilidade, pois seu dinheiro não se diluirá. Poderão evitar a contração de inúmeras dívidas e ter um futuro financeiro mais apropriado. Isso diminui a pobreza da população e muitos males relacionados à segurança, saúde e educação.
No geral, teremos uma sociedade melhor com a adoção do Bitcoin em escala global, e isso certamente acontecerá, uma vez que não há como pará-lo, limitá-lo ou regulá-lo.