ATENÇÃO: Esse texto tem elementos narrativos de ficção para facilitar a compreensão do texto.
São Paulo, meio-dia em ponto, num sábado levemente ensolarado. Estou vendo meu pai brincando com meu filho, de apenas dois anos: ele o pega no colo, dá beijos na bochecha, mostra um carrinho de brinquedo que comprou pra ele… coisas que ele nunca fez comigo.
Anos atrás, isso seria motivo de ressentimento da minha parte. Pura bobagem, nem preciso dizer. Com a maturidade que tenho hoje, consegui entender que os pais destinam seu amor que queriam ter dado aos filhos para os netos, numa tentativa de se redimirem dos erros do passado.
A maioria dos filhos não é planejada. Eu diria que quase nenhum é. Muitas vezes, casais se unem apenas por conta do filho, ou, no mínimo, deixam de se separar por causa deles. Quando os filhos nascem, os pais são jovens e imaturos, não conseguiram estabilizar o seu mundo sensível e não possuem estabilidade financeira. Como resultado, eles se matam de trabalhar e não conseguem conduzir seus filhos da maneira apropriada na vida. Décadas se passam e eles estão mais maduros, mais calmos e aproveitam um conforto maior do que outrora. Mas agora o tempo passou: os dias passados longe dos filhos e os momentos em que eles foram rígidos se foram – e, com isso, muito ressentimento se passa em seus corações. Pro pai e pra mãe que não foram presentes na vida de seus filhos, o arrependimento é muito forte, a tal ponto que eles se veem sem chances de reverter isso depois que seus filhos cresceram.
Mas eis que surge a oportunidade: da mesma forma que os pais, seus filhos têm filhos. Surge o neto, a figura sobre a qual se despejará todo o amor que ficou guardado todas essas décadas sem poder escapar. São mimos, carinhos, presentes… a vida dos avós passa a ter um novo Sol, um novo norte: o bem-estar daquela nova alma. Agora o avô ajuda a pagar a escolinha de futebol, leva no parque, no cinema, compra presentes e muito mais. Não é incomum ouvirmos frases como “Na minha época, seu avô não era assim”. E talvez não fosse possível mesmo: aos 20 ou 30 e poucos, quem é que sabe de alguma coisa? Quem consegue demonstrar amor da maneira certa? Quem tem a sensibilidade de conseguir cuidar de uma nova vida? Ele fez o que pôde com o que ele sabia, mas talvez não tenha sido bom o suficiente. Agora, olhando pra trás e reconhecendo os erros, ele luta para corrigí-los tardiamente.
Vejo isso claramente na minha vida: ai de mim se eu colocasse o meu pé pra cima do banco do carro do meu pai! Mas o meu filho faz isso livremente e nunca foi repreendido. Meu filho pisa com os tênis em cima da calça dele, passa sua mão cheia de baba em seu rosto e sai incólume. Nem preciso dizer que, comigo, 10% dessas ações já teriam acabado em brigas e castigos.
E há outro fator crucial aqui: os avós não têm a responsabilidade direta sobre a educação da criança. Se o seu neto tiver algum problema de desobediência, são os pais que lidam com isso. Dessa forma, eles não precisam se preocupar em tratar os netos com cuidado e os enxurram com mimos e agrados. Daí surge a curiosa máxima de que “os avós estragam os netos”.
É assim que a vida é, não tem o que fazer. Podemos ser os melhores pais do mundo, mas seremos avós ainda melhores – e nossos filhos falarão pra seus filhos como costumávamos ser rígidos. Só nós resta pensar com graça a respeito de tudo isso.
E se seu pai é dessa forma, não se sinta mal por isso. Olhe pelo lado bom: já pensou se ele tratasse seu filho da mesma maneira que tratou você?