Da Necessidade do Ócio

O ócio é extremamente necessário pra atividade intelectual. Exemplos ao longo da história não faltam:

  • Tucídides só escreveu sua história da guerra do Peloponeso porque ficou em exílio durante 20 anos, chegando a confirmar que foi graças a seu ócio que registrou a guerra (livro 5, cap. 26);
  • Isaac Newton só desenvolveu suas teorias por conta da peste que assolou a Europa durante sua época;
  • Mais recentemente, George R. R. Martin disse que conseguiu adiantar de maneira intensa o ritmo de seu próximo livro “Os Ventos do Inverno” por conta do distanciamento social proveniente da pandemia em 2020;
  • E até mesmo eu, muito menor do que todos nesta lista, pude usar o ócio dessa mesma pandemia pra estudar e buscar clientes para fazer minha transição de carreira — algo que seria difícil com a rotina intensa de aulas particulares que eu tinha antes do lockdown.

É como se, para exercermos a nossa atividade intelectual ao máximo, precisássemos nos distanciar um pouco do caos da atividade cotidiana e refletir um pouco mais. Eu posso ver isso claramente quando me sento em alguma cafeteria pra ler e fumar um pouco, deixando o celular no modo off-line: as ideias começam a surgir. Ideias pra contos, pra projetos profissionais, pra reaproveitar textos antigos e até mesmo pra criar novos textos não-ficcionais (como este, que está sendo criado exatamente em um desses momentos).

A pessoa que se mantém ativa a todo tempo nunca pode se dar ao luxo de parar e pensar, sem distrações. Mesmo atividades bobas, como ficar vendo conteúdos no Instagram, deixam nosso cérebro ativo e nos impedem de ter um pouco da contemplação necessária à criação — deixamos de ser criadores e nos tornamos apenas consumidores de conteúdo cada vez mais baixo: primeiro são curiosidades, depois são memes e, quando menos esperamos, são garotas seminuas dançando músicas horríveis.

Por outro lado, a ociosidade não deve ser confundida com passividade, que é passar o dia todo sem fazer nada. Ao contrário: me parece que o verdadeiro ócio só surge para quem tem o que fazer. Para quem tem alguma ocupação, para quem precisa cuidar de algo ou alguém.

Não quero com isso glamourizar uma sociedade de mercado, onde só o que vale é o que você produz; na verdade, quero passar a ideia de que não se deve deixar afogar por atividades fúteis todos os momentos do dia (atividades cujo provedor geralmente é o celular).

Por isso, a melhor solução para cultivar o ócio é trabalhar em projetos pessoais, tentar cultivar hobbies onde você é menos consumidor e mais uma parte ativa, além de estar muito atento aos hábitos que mais consomem o seu tempo: e se, ao invés de ficar 15 minutos olhando as redes sociais, você não ficasse 15 minutos sem fazer nada, olhando pela janela? Seria tedioso no início, mas muitas ideias boas irão até você se você se permitir passar pelo começo angustiante.

Afinal, eu só escrevi esse texto porque me permiti ficar na lanchonete do lado posto de gasolina tomando um café sozinho e lendo. Se eu tivesse ido pra casa logo após o meu compromisso, certamente eu estaria vendo de maneira indisciplinada coisas inúteis na internet e me distraindo com o barulho feito pelos meus familiares.

Pra finalizar, recomendo o livro “O Caminho do Artista”, particularmente o exercício do “Encontro com o Artista”, que consiste em, uma vez por semana, ter um encontro consigo mesmo, sozinho, em um lugar no qual você gosta de estar. Permita-se apreciar as coisas sozinho.

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